Horror na Literatura

28/11/2011 13:33

 

Lovecraft – palavras de horror

                           (Andrio Jr. Santos)

A emoção mais antiga e mais forte do homem é o medo, e o medo mais antigo e mais forte é o do desconhecido. Estas são palavras de Howard Phillips Lovecraft que abrem o ensaio O horror sobrenatural na literatura, na qual o autor faz analogias ao conto de horror, a forma de literatura a qual dedicou praticamente toda a sua carreira literária.

 

 

Lovecraft foi natural de Providence, uma pequena e lúdica cidade dos Estados Unidos. Viveu entre 1880 e 1937, e seus trabalhos apresentavam toques de cinismo, além de desafiarem muitas vezes conceitos amplamente aceitos sobre os valores do Iluminismo, do Romantismo, do Cristianismo e do Humanismo.

Sua linha literária era o horror. Seus personagens eram arrancados de suas vidas, tirados de sua realidade cômoda e conhecida para serem arremessados contra o coração da loucura. E isso foi justamente o que lhe proporcionou poucos leitores em vida. Foi apenas após a morte, que amigos se reuniram no esforço de publicar seus textos, chegando mesmo a fundar uma editora específica para isso, quando os trabalhos de Lovecraft não foram aceitos pelas editoras de sua época por não apresentarem um caráter “comercial”.

 

Apenas recentemente sua obra tem atingido um público mais amplo, chegando a se popularizar em alguns países. Hoje, o autor é considerado o maior escritor de horror do século XX. E tal afirmação foi consolidada por outro dos maiores autores do século XX e XXI, Stephen King.

Segundo Lovecraft, o horror tem uma tradição que remonta os primórdios da humanidade. Assim, não causa espanto a característica de grande antiguidade comum a celebrações primitivas como a Missa Megra, o Sabá das Bruxas, a Noite de Walpurgis e outros ritos orgiásticos de fertilidade tão comuns e frequentes nas histórias de horror de todas as épocas.

O tema do horror ancestral atravessa todas as fases de sua obra, como em Dagon, um de seus primeiros contos maduros, onde o narrador, ao deparar-se com um monólito entalhado, imagina estar diante de representações dos deuses imaginários de alguma tribo primitiva de pescadores ou navegadores; uma tribo que desaparecera antes mesmo do surgimento do homem. Mas o horror se manifesta mesmo é na percepção do protagonista de que suas conjecturas são errôneas, de que, na verdade, há algo muito mais profundo e visceral afogado pelo negro dos oceanos.

Esta fixação no passado Lovecaft demonstra em praticamente todos os seus contos. Em O Modelo De Pickman, que traz menções aos julgamentos das Bruxas de Salém, o protagonista vê-se tomado pelo desespero ao descobrir qual era realmente a fonte de inspiração de um pintor e amigo próximo.

Todavia, o que mais marca ainda é a elaboração e o caos proeminente da fonte de das distorções na realidade descritas em muitos contos de Lovecraft. Criaturas – se é que tal palavra cabe – chamadas de Os Antigos. Eles teriam existido antes dos homens, vindos de algum lugar muito além dos tempos e do espaço e deixaram seus vestígios e os prenúncios e um retorno.

 

Não consigo pensar no mar profundo sem estremecer com as coisas inomináveis que podem, neste exato momento, estar arrastando-se e espojando-se em seu leito lamacento, adorando seus antigos ídolos de pedra e cinzelando à sua própria e detestável semelhança em obeliscos submarinos de granito encharcado. Sonho com o dia em que elas poderão ascender acima dos vagalhões para arrastar para o fundo, com suas garras fétidas, os remanescentes de uma humanidade debilitada, exaurida pela guerra — o dia em que a terra poderia afundar e o escuro leito do oceano erguer-se em meio a um pandemônio universal. – fragmento do conto Dagon, escrito por Lovecraft em 1917.

 

Mas mesmo com este amor pelas coisas antigas, o autor sempre se manteve a par dos avanços científicos de sua época. Um de seus méritos foi justamente conciliar sua linha literária com os avanços da ciência. Como forma de ilustrar tal colocação, pode-se citar o conto O Modelo de Pickman, e os estudos do pintor sobre a modernidade. Ainda, A Cor Que Caiu do Céu, que remete até mesmo à ficção científica.

Outra ruptura, inaugurada por Edgar Allan Poe, foi o que Lovecraft chamou de convenções literárias com final feliz: a virtude recompensada e um didatismo moral vazio generalizado, a aceitação de valores e padrões populares. Assim, o que encontramos nos contos de Lovecraft é uma descrição, sem juízo e valor, do estado das coisas no mundo fictício habitado por seus personagens. Mundo este que é perfeitamente igual ao mundo real, com exceção do horror fantástico.

Para Henrique Madeira, escritor profissional da cidade de Cruz Alta, Lovecraft é uma grande influência, e se destaca dos demais autores do gênero:

 

Embora me seja forçoso admitir, meu romance 'A Cinza Lívida' sofreu uma profunda influência de Lovecraft. Forçoso, pois, isso revela um lado sombrio e aterrorizante a respeito de minha própria personalidade como escritor. Não falo somente da estrutura narrativa que utilizei – como o uso da primeira pessoa, os arcaísmos e a narrativa típica da literatura gótica inglesa e do realismo fantástico –, mas também da aura pessimista e enegrecida que respiramos ao ler Lovecraft. Quanto a minha relação com este escritor, bastava-me o fato de que ele ia contra todos os valores convencionais judaico/romano/cristãos para angariar minha simpatia pagã, mas Lovecraft ia além: Fazia o horror gótico de Alan Poe parecer historinha para criança dormir. Conseguia perturbar o leitor e depois atraí-lo como uma presa para dentro de sua atmosfera negra, nubilosa e sobrenatural. E uma coisa é certa: Uma vez mergulhado em sua obra, o leitor pode até se debater nas águas lodosas, mas jamais conseguirá emergir para buscar um pouco de ar.

Henrique Madeira

 

Baixe o conto O Que A Lua Traz Consigo para ter uma ideia de como é a literatura de Lovecraft, e O Chamado de Cthulhu, se quer mergulhar a fundo no horror expresso por sua mente.

 

Confira a adaptação do conto Azathoth, de Lovecraft, feita por um fã do autor:

https://www.youtube.com/watch?v=CyP-G9fBTHQ